Leitura mágica

.
Crianças são como borboletas ao vento!
Algumas voam rápido...
Outras voam pausadamente,
Mas todas voam do seu jeito!
Cada uma é diferente!
Cada uma é linda!
Cada uma é especial!
São todas especiais na maneira de se deixarem levar ao vento,
até pousarem majestosamente nas flores do jardim!

(autora: criança com necessidades especiais)



A “Tia” da Biblioteca
                Biblioteca escolar costuma ter fama de local chato. Lugar onde se “paga” pela indisciplina cometida em sala de aula, revertendo em obrigação de fazer um dever ou ler algo e, em seguida, escrever um resumo ou uma crítica. Além de ter como responsável pelo espaço a figura central e curiosa de uma senhora de idade avançada, com cabelos brancos, corpo franzino, levemente, surda. Viajando, um pouco, pela dramaturgia, posso citar como exemplo da “boa velhinha”, uma série americana, exibida em tv por assinatura, que se passa em uma escola pública, cujos alunos “excluídos” se unem para cantar em um coral e dão um verdadeiro show – sou fã!

                Mas na minha escola, uma tia de aproximadamente trinta e quatro anos de idade mudou essa concepção. De beleza comum, mas um sorriso cativante, transparecia alegria em seu olhar; por isso a denominei com um nome singelo.

                Flor - como vou chamá-la - começou a estudar Pedagogia, com essa idade e, logo, foi aproveitada pela Diretora-Pedagógica da escola para estagiar. Assim, Flor cuidava da biblioteca e praticava o incentivo à leitura, seguindo seus instintos e pedindo orientação às coordenadoras responsáveis. Ficava com as turmas do Ensino Fundamental I, durante quarenta minutos, uma vez por semana.

                Como toda pedagoga, Flor preparou a biblioteca para receber seus pupilos. Na porta da entrada, colou um cartaz com uma mensagem de boas vindas. E dentro da sala, outras mensagens tais como: Na biblioteca faz-se silêncio! e O livro é nosso grande amigo!    

Logo no início, as crianças estranharam. Algumas perguntavam sobre o que teriam aula, qual seria a matéria. Outras perguntavam se a aula seria ali dentro – com uma conotação triste! Mas a professorinha tinha sempre um sorriso nos lábios e um abraço para acalmar o coração de todos.

Flor demonstrou às crianças como folhear um jornal, explicando que o mesmo traz várias notícias, com diversos assuntos – alguns interessantes e outros chatos. Este costuma ter uma sequência para expor os temas, como: política – o que eles ainda não entendem, mas devem começar a ter uma noção; futebol – o que os meninos adoram;  e, até mesmo, novela e seus galãs – importante para as meninas.

Também esclareceu qual a finalidade do dicionário e como utilizá-lo. E ouviu uma frase famosa, de um de seus alunos: - Dicionário é o pai dos burros! Imediatamente, a educadora respondeu: - Xiiii! Todo mundo diz isso, mas, na verdade, o dicionário é o pai dos inteligentes! Pois o inteligente quando não conhece a palavra procura o seu significado e aprende. E o burro? O burro não procura e continua sem saber. Vocês concordam? E todos responderam em um volume bem alto: - Sim!

Dias depois, Flor distribuiu gibis e a criançada foi ao delírio.

Costumava emprestar livros para levarem para casa e quem quisesse emprestar algum exemplar seu, poderia fazê-lo.

Foi a época mais fascinante da biblioteca. Faziam até teatro do que liam. Algumas vezes, encenavam no pátio. Todos os alunos, sem exceção, adoravam as aulinhas.

Mas “como alegria de pobre dura pouco”, a escola teve que encerrar o Ensino Fundamental I e Flor perdeu seus pupilos.

Na formatura da antiga 5ª. série, agora, 2º. ano, Flor foi homenageada pelas crianças. E seu discurso, previamente registrado teve de ser abandonado, pois a madrinha da turma estava tão emocionada que não conseguia enxergar o que havia escrito. Com muitas lágrimas agradeceu o carinho de todos aqueles anjos e agradeceu, também, a oportunidade que teve de aprender com eles lições de inestimável valor.  

- Com vocês, eu aprendi a ser uma pessoa melhor! Obrigada!

Priscila Romero



SAÚDE MENTAL, uma sábia reflexão de Rubem Alves
Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental. Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista, deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei. Tanto que aceitei. Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia. Eu me explico.
Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que, do meu ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livros e obras são alimento para a minha alma. Nietzsche, Fernando Pessoa, Van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles, Maikóvski. E logo me assustei. Nietzsche ficou louco. Fernando Pessoa era dado à bebida. Van Gogh se matou. Wittgenstein se alegrou ao saber que iria morrer em breve: não suportava mais viver com tanta angústia. Cecília Meireles sofria de uma suave depressão crônica. Maiakóvski suicidou.
Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para os vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos.
Mas será que tinham saúde mental? Saúde mental, essa condição em que as ideias se comportam bem, sempre iguais, previsíveis, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem unida, jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou que faça algo inesperado, nem é preciso dar uma volta ao mundo num barco a vela, basta fazer o que fez a Shirley Valentine (se ainda não viu, veja o filme!), ou ter um amor proibido ou, mais perigoso que tudo isso, que tenha a coragem de pensar o que nunca pensou. Pensar é coisa muito perigosa…
Não, saúde mental elas não tinham. Eram lúcidas demais para isso. Elas sabiam que o mundo é controlado pelos loucos e idiotas de gravata. Sendo donos do poder, os loucos passam a ser os protótipos da saúde mental. É claro que nenhuma mamãe consciente quererá que o seu filho seja como Van Gogh ou Maiakóvski. O desejável é que seja executivo de grande empresa, na pior das hipóteses funcionário do Banco do Brasil ou da CPFL. Preferível ser elefante ou tartaruga a ser borboleta ou condor. Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes psicológicos a que teria de se submeter se fosse pedir emprego. Mas nunca ouvi falar de político que tivesse stress ou depressão, com exceção do Suplicy. Andam sempre fortes e certos de si mesmos, em passeatas pelas ruas da cidade, distribuindo sorrisos e certezas.
Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por isso apresso-me aos devidos esclarecimentos.
Nós somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todo mundo sabe, requer a interação de duas partes. Uma delas se chama hardware, literalmente coisa dura e a outra se denomina software, coisa mole. A hardware é constituída por todas as coisas sólidas com que o aparelho é feito. A software é constituída por entidades espirituais – símbolos, que formam os programas e são gravados nos disquetes.
Nós também temos um hardware e um software. O hardware são os nervos, o cérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória. Do mesmo jeito como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo espirituais, sendo que o programa mais importante é linguagem.
Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos no software. Nós também. Quando o nosso hardware fica louco há que se chamar psiquiatras e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam. Não se conserta um programa com chave de fenda. Porque o software é feito de símbolos, somente símbolos podem entrar dentro dele. Assim, para se lidar com o software há que se fazer uso de símbolos. Por isso, quem trata das perturbações do software humano nunca se vale de recursos físicos para tal. Suas ferramentas são palavras, e eles podem ser poetas, humoristas, palhaços, escritores, gurus, amigos e até mesmo psicanalistas.
Acontece, entretanto, que esse computador que é o corpo humano tem uma peculiaridade que o diferencia dos outros: o seu hardware, o corpo, é sensível às coisas que o seu software produz. Pois não é isso que acontece conosco? Ouvimos uma música e choramos. Lemos os poemas eróticos do Drummond e o corpo fica excitado.
Imagine um aparelho de som. Imagine que o toca-discos e acessórios, o software, tenha a capacidade de ouvir a música que ele toca, e de se comover. Imagine mais, que a beleza é tão grande que o hardware não a comporta, e se arrebenta de emoção! Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei, no princípio: a música que saía do seu software era tão bonita que o seu hardware não suportou.
A beleza pode fazer mal à saúde mental. Sábias, portanto, são as empresas estatais, que têm retratos dos governadores e presidentes espalhados por todos os lados: eles estão lá para exorcizar a beleza e para produzir o suave estado de insensibilidade necessário ao bom trabalho.
Dadas essas reflexões científicas sobre a saúde mental, vai aqui uma receita que, se seguida à risca, garantirá que ninguém será afetado pelas perturbações que afetaram os senhores que citei no início, evitando assim o triste fim que tiveram.
Opte por um software modesto. Evite as coisas belas e comoventes. Cuidado com a música. Brahms e Mahler são especialmente perigosos. Já o roque pode ser tomado à vontade, sem contra indicações. Quanto às leituras, evite aquelas que fazem pensar. Há uma vasta literatura especializada em impedir o pensamento. Se há livros do Dr. Lair Ribeiro, por que arriscar-se a ler Saramago? Os jornais têm o mesmo efeito. Devem ser lidos diariamente. Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras diferentes, fica garantido que o nosso software pensará sempre coisas iguais. A saúde mental é um estômago que entra em convulsão sempre que lhe é servido um prato diferente. Por isso que as pessoas de boa saúde mental têm sempre as mesmas ideias. Essa cotidiana ingestão do banal é condição necessária para a produção da dormência da inteligência ligada à saúde mental. E, aos domingos, não se esqueca do Sílvio Santos e do Gugu Liberato.
Seguindo esta receita você terá uma vida tranquila, embora banal. Mas como você cultivou a insensibilidade, você não perceberá o quão banal ela é. E, ao invés de ter o fim que tiveram os senhores que mencionei, você se aposentará para, então, realizar os seus sonhos. Infelizmente, entretanto, quando chegar tal momento, você já não mais saberá como eles eram.
(Provavelmente escrito em 1994)

Disponível em: http://www.contioutra.com/saude-mental-uma-sabia-reflexao-de-rubem-alves/



O texto abaixo faz parte do nosso arquivo e foi extraído de uma home-page da Cerebral Palsy Association of Western Austrália Ltd. e traduzido pela Dra. Mônica Ávila de Carvalho, mãe de Manuela, em Cambuquira, Minas Gerais, em 30/12/95. 

BEM VINDO À HOLANDA
por Emily Perl Knisley, 1987

Freqüentemente, sou solicitada a descrever a experiência de dar à luz a uma criança com deficiência - Uma tentativa de ajudar pessoas que não têm com quem compartilhar essa experiência única a entendê-la e imaginar como é vivenciá-la.

Seria como... 

Ter um bebê é como planejar uma fabulosa viagem de férias - para a ITÁLIA! 
Você compra montes de guias e faz planos maravilhosos! O Coliseu. O Davi de Michelângelo. As gôndolas em Veneza.
Você pode até aprender algumas frases em italiano. É tudo muito excitante.

Após meses de antecipação, finalmente chega o grande dia! Você arruma suas malas e embarca. Algumas horas depois você aterrissa. O comissário de bordo chega e diz:
- BEM VINDO À HOLANDA!
- Holanda!?! - Diz você. - O que quer dizer com Holanda!?!? Eu escolhi a Itália! Eu devia ter chegado à Itália. Toda a minha vida eu sonhei em conhecer a Itália!

Mas houve uma mudança de plano de vôo. Eles aterrissaram na Holanda e é lá que você deve ficar.

A coisa mais importante é que eles não te levaram a um lugar horrível, desagradável, cheio de pestilência, fome e doença. É apenas um lugar diferente.
Logo, você deve sair e comprar novos guias. Deve aprender uma nova linguagem. E você irá encontrar todo um novo grupo de pessoas que nunca encontrou antes.

É apenas um lugar diferente. É mais baixo e menos ensolarado que a Itália. Mas após alguns minutos, você pode respirar fundo e olhar ao redor, começar a notar que a Holanda tem moinhos de vento, tulipas e até Rembrants e Van Goghs.

Mas, todos que você conhece estão ocupados indo e vindo da Itália, estão sempre comentando sobre o tempo maravilhoso que passaram lá. E por toda sua vida você dirá: - Sim, era onde eu deveria estar. Era tudo o que eu havia planejado!

E a dor que isso causa nunca, nunca irá embora. Porque a perda desse sonho é uma perda extremamente significativa.
Porém, se você passar a sua vida toda remoendo o fato de não ter chegado à Itália, nunca estará livre para apreciar as coisas belas e muito especiais sobre a Holanda.

Copyright © 1999 Dr. Jorge Márcio Pereira de Andrade - Rio de Janeiro - RJ - Brasil
Reproduções desse texto somente com autorização do Autor
               

A Lenda

Conta certa lenda, que estavam duas crianças patinando num lago congelado.
Era uma tarde nublada e fria e as crianças brincavam despreocupadas.
De repente, o gelo se quebrou e uma delas caiu, ficando presa na fenda que se formou.                                                   
A outra, vendo seu amiguinho preso e se congelando, tirou um dos patins e começou a golpear o gelo com todas as suas forças, conseguindo por fim quebrá-lo e libertar o amigo.

Quando os bombeiros chegaram e viram o que havia acontecido, perguntaram ao menino:  - Como você conseguiu fazer isso? É impossível que tenha conseguido quebrar o gelo, sendo tão pequeno e com mãos tão frágeis!

Nesse instante, um ancião que passava pelo local, comentou:  - Eu sei como ele conseguiu.

Todos perguntaram:  - Pode nos dizer como?

- É simples – respondeu o velho.
- Não havia ninguém ao seu redor, para lhe dizer que não seria capaz.


Albert Einstein – www.pensador.info




Carta a Uma Mãe

Desculpe meu atrevimento em te escrever, pois não nos conhecemos pessoalmente.
Talvez este seja o problema: não nos conhecemos. Então me atrevo novamente e peço: esqueça por instantes tudo que já ouviu falar de mim.
Nunca disse que a ciência médica não propicia avanços na qualidade de vida das pessoas, ou que não há crianças e adolescentes com dificuldades para aprender ou para agir/reagir segundo os padrões mais aceitos.
Você nunca me ouviu dizer que os pais de jovens com dificuldades jogam seus problemas sobre os filhos, são os culpados de tudo e só querem se desresponsabilizar. Sei muito bem o quanto sofrem, buscando o melhor. Sei que você sabe que não tenho filhos, mas isso não é defeito nem impede que compreenda e acolha crianças e pais, suas dores físicas e afetivas. Aliás, nesses mais de 30 anos como pediatra, não me lembro de alguma mãe falar que não se sentia bem atendida por mim. Afinal, o que busco na formação de futuros médicos é que sejam capazes de se identificar com medos e dores do outro sem que precisem passar pela mesma situação. Então, o que tenho defendido como médica, pesquisadora e professora de pediatria e que provoca tantos mal entendidos e ressentimentos entre nós?
Dizer que não há comprovação científica de que existam doenças que comprometam exclusivamente aprendizagem e comportamento não é dizer que não existam pessoas com dificuldades, sofrendo por isso. Não aceitar que uma doença inata atinja 10% da população é obrigação de médicos bem formados; em medicina, só usamos porcentagem para falar de doenças socialmente determinadas! Comprovar uma doença exige um rigor científico não encontrado nos autores que defendem a existência de dislexia e Tdah. Esse rigor é diferente de inventar testes/exames para provar a doença. Ao contrário: comprovada a doença, buscam-­-se exames que permitam diagnosticar com mais segurança; do mesmo modo, melhorar com tratamento não prova que estava doente! Daí os questionamentos em todo o mundo, por pesquisadores de diferentes áreas. E aí, algo estranho: ao invés do debate acadêmico, que é o que mais acontece em ciência, tenta­-se desqualificar os que questionam, inclusive com agressões grosseiras.
Você sabe, a ciência só avança pelo questionamento, nenhum conhecimento é eterno. Desculpe, essa é uma longa discussão teórica. Por favor, voltemos a seu filho. Aceite meu convite e vamos tentar vê-­-lo e ouvi-­-lo como ele é. A maioria das crianças diagnosticadas como disléxicas são absolutamente normais, que apenas aprendem de modos diferentes. Aliás, não aprendemos todos do mesmo modo. Dizer isso não significa abandoná-­-lo à própria sorte (ou azar); ao contrário.
Defendo que TODA CRIANÇA TEM DIREITO DE APRENDER E É CAPAZ, devendo ser atendida em suas necessidades e especificidades.
Você já se perguntou por que seu filho precisa ter um laudo de doente (sem eufemismos: se está no DSM é doença!) para ter acesso a outros modos de ensinar?
Não é esquisito que o diagnóstico de uma doença que só atinja a linguagem escrita seja baseado na própria linguagem escrita? Mesmo em exames mais sofisticados como o PET, a pessoa deve ler um texto, que já se sabe que ela lê mal. Se o tratamento é pedagógico, por que falar em doença?
Desculpe a intimidade, só mais uma pergunta: além do acesso a outros modos de ensinar, que benefício real esse diagnóstico trouxe pra sua família? Tenho certeza que você luta para que seu filho aprenda e não simplesmente para que não seja reprovado! Não devemos lutar pelo direito de todos, sem necessidade de laudos ou rótulos, sem estigmas? Vamos lançar esta campanha? Vamos olhar agora como foi feito o diagnóstico de TDAH em seu filho? Por meio de um questionário com 18 perguntas, mal formuladas, vagas, a serem respondidas de modo ainda mais vago (bastante, demais, pouco). Com seis respostas positivas, está selado o diagnóstico de uma doença neurológica, que deverá ser tratada com psicotrópicos por toda a vida.
Você não estranha que uma doença neurológica não precise se manifestar em todos os contextos da vida, mas apenas em dois? Qual a lógica para “atenção no videogame” não anular “desatenção na escola”? Apenas como exemplo, vejamos algumas perguntas: Parece não estar ouvindo quando se fala diretamente com ele (quem fala o que?); Evita, não gosta ou se envolve contra a vontade em tarefas que exigem esforço mental prolongado (o que é esforço mental prolongado? Geralmente o que não gosto ou não sei!); Distrai-­-se com estímulos externos; Responde as perguntas de forma precipitada antes delas terem sido terminadas.
Na busca de defeitos, não há circunstâncias, interesses, modulações; não há vida. A transformação de padrões sociais em biológicos, em critérios de doença neurológica, fica ainda mais patente em perguntas como: Sai do lugar na sala de aula ou em outras situações em que se espera que fique sentado.
Perguntemos: QUEM espera que fique sentada? Para complicar, 50% dos que têm dislexia também têm Tdah e aí precisam tomar psicotrópico, aquele que deixa a criança contida, quieta, sem sonhos pois focada, que pode provocar arritmia, hipertensão, parada cardíaca, dependência química etc.
Você já leu a bula do remédio que dá pro seu filho? A maioria dos jovens com esses diagnósticos são normais, apenas não se enquadram em padrões sociais que te convenceram que são normas biológicas. É cruel acabar com questionamentos, devaneios e utopias, com as possibilidades de outros futuros. Pode ser que seu filho esteja sofrendo assim. Porém, existe sim um número pequeno, mas real, de jovens que têm dificuldades mais sérias. Eis a outra face da moeda, ainda mais perversa.
Ao invés de buscar entender o que acontece com eles, de pesquisar causas e modos de superação, admitindo que ainda não se sabe qual o problema de cada um, estão sendo todos enquadrados em diagnósticos que os aprisionam sem resolver o problema real. Talvez este seja o caso de seu filho. Está na hora de abandonar certezas e ter a coragem de admitir que a medicina não sabe por que alguns jovens têm dificuldades extremas. Talvez você deva se perguntar se, junto com seu filho, também não é refém de diagnósticos equivocados e terapias que não tratam. Se quiser continuar essa conversa, pode contar comigo.
Um abraço

Cida Moysés
Maria Aparecida Affonso Moysés é pediatra, Professora Titular de Pediatria da UNICAMP. Coordena o Laboratório de Estudos sobre Aprendizagem, Desenvolvimento e Direitos do Centro de Investigações em Pediatria (CIPED), na Unicamp. É fundadora do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade
(www.medicalizacao.com.br)



Laranja Estranha

Fábio Adiron

“Mariana era louca por laranjas. Não qualquer laranja, era louca por laranja pera.
Era tão fanática que costumava comprar no atacado. Toda semana ia ao Ceasa e comprava um saco de laranja pera.
Delas fazia suco, saladas de frutas de uma fruta só, as chupava puras. Fazia doces, bolos e tortas.
Nem sempre todas as laranjas vinham perfeitas, algumas chegavam mais secas, outras um pouco amassadas. Mesmo assim Mariana aproveitava todas, de uma forma ou de outra.
Até o dia em que, no meio do seu saco de laranjas pera veio um exemplar de laranja bahia. Para muitos seria apenas mais uma laranja, não para Mariana que ficou perplexa e confusa com um tipo de laranja diferente.
A casca era mais fina, o tamanho maior, o suco com teores diferentes de açúcar e de ácido cítrico.Ela não estava preparada para isso. Não sabia nem por onde começar. Fez uma busca na Internet sobre a tal da laranja estranha. Só encontrou informações sobre os aspectos fenotípicos do citro. Isso não ajudava.
Começou a ligar para amigas. O máximo que descobriu foi que essas laranjas não tinham sementes. Pior foi ter de ouvir da melhor amiga que era uma laranja, e laranjas são laranjas. Que diferença isso ia fazer?
Concluiu que não teria outra alternativa a não ser partir em busca de especialistas. Como iria descascar aquela pele mais fina? Se eram mais doces, como procederia no açúcar da sua famosa compota de laranja? Os gomos maiores não enroscariam no seu processador?
Descobriu várias pessoas que se dedicavam ao estudo e manuseio de laranjas bahia. Uma mulher que era descascologista, com doutorado em bahias. Um agrônomo que tratava de distúrbios de desenvolvimento de citros e até um chef compoteiro que tinha uma instituição dedicada ao desenvolvimento da tal laranja.
Pensou em mandar seu exemplar de laranja bahia para um desses especialistas. Mariana, no entanto, era uma mulher persistente, não poderia admitir que tinha sido derrubada por uma laranja.
Matriculou-se num curso à distância, de capacitação em laranjas. Na primeira aula descobriu que a bahia era só uma das dezenas de espécies de citrus sinensis: Lima, Westin , Rubi, Valencia, Hamlim e Kinkan. O curso não lhe ensinou o que fazer com as diferentes laranjas, mas abriu seus olhos para todo um mundo diverso do que ela conhecia. Também constatou que só com prática de uso de tanta variedade é que ela descobriria como tirar o melhor de cada um dos tipos.
Não perdeu seu amor antigo pela laranja pera, mas descobriu que a vida era muito mais interessante quando as laranjas se misturavam. Era possível fazer sucos usando combinações de frutos mais ácidos com outros mais doces e, até mesmo enriquecer seu bolo de laranja com calda de uma laranja diferente.
Empolgada, partiu para o estudo de tangerinas, depois limões e até mesmo grapefruit.
E, assim como fazia com a laranja pera, Mariana nunca desperdiçou nenhum dos seus cítricos.
Uma verdadeira mestra.”
http://xiitadainclusao.blogspot.com.br/

RETARDADO AOS OITO ANOS – Fabrício Carpinejar

Mãe é exagerada. Sempre romantiza a infância do filho. A minha, Maria Carpi, dizia que eu fui um milagre, que enfrentei sérias rejeições, que não conseguia ler e escrever, que a professora recomendou que desistisse de me alfabetizar e que me colocasse numa escola especial.
Eu permitia que contasse essa triste novela, dava os devidos descontos melodramáticos, entendia como licença poética.
Até que mexi na estante do escritório materno em busca do meu histórico escolar.
E achei um laudo, de 10 de julho de 1980, assinado por famoso neurologista e endereçado para a fonoaudióloga Zulmira.
“O Fabrício tem tido progressos sensíveis, embora seja com retardo psicomotor, conforme o exame em anexo. A fala, melhorando, não atingiu ainda a maturidade de cinco anos. Existe ainda hipotonia importante. Os reflexos são simétricos. Todo o quadro neurológico deriva de disfunção cerebral.”
Caí para trás. O médico informou que eu era retardado, deficiente, não fazia jus à mentalidade de oito anos. Recomendou tratamento, remédios e isolamento, já que não acompanharia colegas da faixa etária.
Fico reconstituindo a dor dela ao abrir a carta e tentar decifrar aquela letra ilegível, espinhosa, fria do diagnóstico. Aquela sentença de que seu menino loiro, de cabeça grande, olhos baixos e orelhas viradas não teria futuro, talvez nem presente.
Deve ter amassado o texto no bolso, relido sem parar num cantinho do quintal, longe da curiosidade dos irmãos.
Mas não sentiu pena de mim, ou de si, foi tomada de coragem que é a confiança, da rapidez que é o aperto do coração. Rejeitou qualquer medicamento que consumasse a deficiência, qualquer internação que confirmasse o veredito.
Poderia ter sido considerada negligente na época, mas preferiu minha caligrafia imperfeita aos riscos definitivos do eletroencefalograma. Enfrentou a opinião de especialistas, não vendeu a alma a prazo.
Ela me manteve no convívio escolar, criou jogos para me divertir com as palavras e dedicou suas tardes a aperfeiçoar minha dicção (lembro que me fazia ler Dom Quixote, e minha boca andava apoiada no corrimão dos desenhos).
Em vez de culpar o destino, me amou mais.

Na vida, a gente somente depende de alguém que confie na gente, que não desista da gente. Uma âncora, um apoio, um ferrolho, um colo. Se hoje sou escritor e escrevo aqui, existe uma única responsável: Maria Carpi, a Mariazinha de Guaporé, que transformou sua teimosia em esperança. E juro que não estou exagerando.


Nenhum comentário:

Postar um comentário